A primeira infância – período que se estende desde a gestação até aproximadamente os seis anos de idade – é considerada a fase mais crítica para o desenvolvimento humano.
É nesse intervalo que o cérebro atinge picos de neuroplasticidade e estabelece as bases para linguagem, cognição, sociabilidade e capacidades emocionais.
Por isso, qualquer atraso detectado nessa etapa requer atenção imediata, pois o diagnóstico e a intervenção precoces podem fazer toda a diferença na vida da criança.
Um dos transtornos de neurodesenvolvimento que podem se manifestar já na primeira infância é o Transtorno do Espectro Autista (TEA). Conhecer sinais de autismo e entender o que é considerado desenvolvimento típico ajuda pais, educadores e profissionais de saúde a identificarem precocemente possíveis atrasos.
O que é a Primeira Infância
É nesse intervalo de tempo que cerca de 90% das conexões cerebrais são formadas, tornando o cérebro altamente receptivo a estímulos. Assim, ambientes ricos em afeto, comunicação e oportunidades de exploração sensorial são cruciais para um crescimento saudável.
Sobre esse tópico, a Dra. Lu Brites, da clínica Neurosaber, indica que os seres humanos têm um desenvolvimento biológico universal, ou seja, etapas em nosso desenvolvimento que precisam ser cumpridas.
Por exemplo, ela afirma o seguinte em relação à fala:
- uma criança com um ano de idade deve estar falando pelo menos 4 palavras.
- com um ano e meio, deve estar falando algumas frases.
- finalmente, entre quatro e quatro anos e meio, a criança já deveria estar falando tudo e sem erros na fala.
Se isso não ocorrer, precisamos investigar as causas, pois também nesses primeiros anos de vida os transtornos neurológicos, como o autismo, são facilmente detectáveis.
Por outro lado, é na primeira infância que 90% do cérebro se desenvolve; portanto, detectar precocemente um problema neurológico ajuda muito a combatê-lo com as terapias adequadas.
Por que esse período é tão importante?
É justamente nessa etapa que o cérebro está em formação: cerca de 90% de sua estrutura será desenvolvida nos primeiros seis anos de vida, e mais de 90 milhões de conexões sinápticas serão estabelecidas — algo que não voltará a ocorrer na vida da criança.
Por outro lado, eventuais atrasos neurológicos podem ser corrigidos com relativa facilidade, pois o cérebro em formação responde melhor a intervenções especializadas.
Por exemplo, na primeira infância o cérebro apresenta:
- Maior neuroplasticidade: ele é mais “maleável” e responde melhor a intervenções e estímulos.
- Formação de vínculos afetivos: estabelecer segurança e apego nessa fase é fundamental para as relações futuras.
- Desenvolvimento global: motor, cognitivo, emocional e social — tudo acontece simultaneamente e de forma intensa.
Entendendo o Transtorno do Espectro Autista (TEA)
O autismo é caracterizado por dificuldades na interação social, na comunicação verbal ou não verbal e pela presença de comportamentos repetitivos ou interesses restritos.
Embora cada criança se desenvolva em seu próprio ritmo, existem marcos do desenvolvimento esperados em faixas etárias específicas.
Quando há atrasos significativos ou ausência de determinadas habilidades, os responsáveis e profissionais devem ficar atentos nos fatores de risco que podem desencadear o TEA.
Fatores de risco e incidência
- Hereditariedade genética: irmãos de crianças autistas apresentam maior probabilidade de também estarem no espectro.
- Condições perinatais: prematuridade ou complicações no parto podem aumentar o risco.
- Desenvolvimento atípico observado cedo: muitos sinais podem ser notados antes dos três anos de idade.
Sinais do autismo na primeira infância
Para identificar possíveis atrasos ou sinais de autismo, é essencial conhecer o desenvolvimento típico da criança. Confira alguns dos comportamentos que podem servir de alerta:
- Contato visual limitado
Esperado: o bebê geralmente busca o olhar do cuidador, sorri e reage às expressões faciais desde cedo.
Sinal de alerta: evitar contato visual, não reagir quando alguém interage diretamente com ele. - Dificuldade em compartilhar atenção
Esperado: bebês a partir de 8-10 meses tendem a olhar na mesma direção que o adulto aponta ou a trazer objetos para mostrar.
Sinal de alerta: a criança não aponta objetos, não segue o dedo quando alguém aponta algo interessante e não compartilha brincadeiras ou descobertas. - Pouco interesse em outras pessoas ou brincadeiras de faz de conta
Esperado: crianças pequenas gostam de brincar de imitar, fingir (faz de conta) e interagir com colegas.
Sinal de alerta: brincar de forma repetitiva (apenas alinhar brinquedos, girar rodas), não convidar outras pessoas para a brincadeira e não imitar gestos ou sons. - Atraso na fala e na comunicação
Esperado: balbuciar por volta dos 6 meses, primeiras palavrinhas perto de 1 ano, evolução gradual do vocabulário até formar frases curtas por volta dos 2 anos.
Sinal de alerta: não balbuciar, não dizer palavras simples até 2 anos, perder habilidades de fala que antes estavam presentes. - Interesses restritos e resistência a mudanças
Esperado: crianças podem ter preferências, mas aceitam explorar novidades e se adaptar a pequenas mudanças na rotina.
Sinal de alerta: reação extrema a qualquer alteração de rotina, crises de choro ou irritabilidade quando algo muda, hiperfoco num único brinquedo ou tema. - Comportamentos repetitivos ou autoagressivos
Esperado: variação de movimentos (correr, pular, balançar-se moderadamente), mas com flexibilidade e segurança.
Sinal de alerta: estereotipias constantes (balançar o corpo sem parar, agitar as mãos repetidamente), morder-se ou bater-se, ausência de brincadeiras apropriadas para a idade.
O papel dos pais, educadores e profissionais de saúde
Geralmente, os pais e os professores são os primeiros a perceber algum comportamento atípico nas crianças, seja em casa ou na escola.
Por essa razão, é importante considerar os seguintes pontos:
Observação frequente
Pais, cuidadores e professores são as primeiras frentes para identificar atrasos ou comportamentos atípicos. Filmar a criança em situações cotidianas pode ajudar a registrar momentos relevantes.
Comunicação aberta
Compartilhar dúvidas e observações com pediatras, psicólogos e terapeutas é fundamental. Se os pais ou professores perceberem sinais de alerta, não devem hesitar em procurar ajuda.
Diagnóstico precoce e intervenção
O diagnóstico de autismo é clínico, baseado em observação e testes específicos. Não há exame de imagem (como tomografia) que confirme o TEA. Entretanto, quanto mais cedo uma criança com atraso for estimulada, maiores são as chances de ela desenvolver plenamente suas potencialidades.
Planejamento educacional
Na escola, um Plano Educacional Individualizado (PEI) pode auxiliar na inclusão e no desenvolvimento acadêmico e social da criança. Ajustes no ambiente, estratégias de comunicação e parcerias com especialistas (fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais etc.) são cruciais.
Conclusão
A primeira infância é uma etapa sensível e determinante para toda a vida. É nesse período que se desenvolvem as bases para a linguagem, a socialização, a cognição e a autorregulação emocional.
Quando certos marcos de desenvolvimento não são atingidos ou quando sinais de alerta – como possíveis indícios de autismo – aparecem, é essencial agir de forma imediata.
- Diagnóstico precoce e intervenção adequada podem redefinir trajetórias.
- Informação e observação são as melhores aliadas na detecção de atrasos.
- Família, escola e profissionais de saúde precisam atuar em conjunto para garantir o melhor desenvolvimento à criança.
Lembre-se: cada criança é única. Um acompanhamento cuidadoso, com foco em seus potenciais, faz toda a diferença para garantir que ela atinja o máximo de suas capacidades e tenha uma vida plena e feliz.
Referências
• BRASIL. Lei n.º 13.257, de 8 de março de 2016. Dispõe sobre as políticas públicas para a primeira infância. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 8 mar. 2016.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/l13257.htm
• BRASIL. Lei n.º 12.764, de 27 de dezembro de 2012. Institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 27 dez. 2012.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12764.htm
• AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5). 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.
• LANDA, R. Early Communication Development and Intervention for Children with Autism. Developmental Disabilities Research Reviews, v. 13, n. 1, p. 16-25, 2007.
• ZWAIGENBAUM, L. et al. Early Identification of Autism Spectrum Disorder: Recommendations for Practice and Research. Pediatrics, v. 136, Suppl. 1, p. S10-S40, 2015.
.
• PAULA, C. S.; RIBEIRO, S. H.; FENCHEL, D.; TEIXEIRA, M. C. Predictive factors for early school achievement: The role of family variables in a Brazilian sample. Psychology & Neuroscience, v. 3, n. 1, p. 73-80, 2010.
• AMERICAN ACADEMY OF PEDIATRICS (AAP). Policy Statement: Identifying Infants and Young Children With Developmental Disorders in the Medical Home: An Algorithm for Developmental Surveillance and Screening. Pediatrics, v. 118, n. 1, p. 405-420, 2006.
• CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION (CDC). Facts about Autism Spectrum Disorder (ASD). Atlanta, GA.
Disponível em: https://www.cdc.gov/ncbddd/autism/facts.html
• BRASIL. Ministério da Saúde. Linha de Cuidado para Atenção às Pessoas com Transtorno do Espectro do Autismo e suas Famílias na Rede de Atenção Psicossocial do SUS. Brasília, 2015.
Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/linha_cuidado_transtorno_espectro_autista.pdf
• OLIVEIRA, M. K. de. A construção social da infância. São Paulo: Cortez, 2002.
• CUNHA, V. L. O.; SANTOS, A. M. N. Transtorno do Espectro Autista e as práticas pedagógicas inclusivas: um olhar multidisciplinar. Curitiba: CRV, 2019.