Transtorno do Processamento Sensorial: Quando Ser Pai Significa Justificar Cada Gesto do Próprio Filho

O que é o Transtorno do Processamento Sensorial (TPS)?

Você já viu uma criança tampar os ouvidos por causa do barulho de um liquidificador? Ou se irritar ao vestir uma roupa com etiqueta? Essas reações podem estar relacionadas ao Transtorno do Processamento Sensorial (TPS) — uma condição que afeta a forma como o cérebro interpreta e responde aos estímulos do ambiente.

No meu caso, comecei a notar comportamentos diferentes no meu filho desde cedo.

Ele sempre precisava estar com algo nas mãos — um lápis, por exemplo — e se não estivesse, movia os dedos de forma repetitiva. Para ajudá-lo, passei a dar um brinquedo chamado spinner, que se tornou um verdadeiro aliado nos momentos de agitação.

Como funciona o processamento sensorial no corpo humano

Nosso corpo capta informações do ambiente por meio dos sentidos — visão, audição, tato, olfato, paladar — além dos sistemas proprioceptivo (sensação corporal) e vestibular (equilíbrio e movimento). No TPS, o cérebro tem dificuldade para organizar essas informações, o que resulta em respostas desproporcionais ou confusas aos estímulos.

Lembro que, quando morávamos no sul do Brasil, em Pelotas, meu filho se incomodava muito com barulhos. Mesmo dentro de casa, quando ouvia o som das motos na rua, tapava os ouvidos com força. Curiosamente, apesar dessa sensibilidade, ele era fascinado por ônibus. Eu o levava até a rodoviária e lá ele passava um bom tempo observando os veículos, até que, aos poucos, começou a tolerar o barulho.

No vídeo a seguir, a Dra. Temple Grandin, talvez uma das pessoas com autismo mais famosas do mundo, nos mostra seus problemas de transtorno do processamento sensorial (TPS) e como os superou.

Sinais e sintomas comuns em crianças e adultos

Os sintomas do TPS variam bastante, de acordo com o sentido afetado. Nas tabelas abaixo, os sintomas estão divididos conforme a alta ou baixa sensibilidade.

Hipossensibilidade – Resposta sensorial reduzida

SentidoSintomas principais
AuditivoGritos, ruídos constantes, gostam de sons altos.
VisualFascínio por luzes e cores, olham para luz intensa.
OlfativoCheiram tudo, atração por odores fortes.
TátilTocam tudo, buscam contato físico.
VestibularMovimento excessivo, giram sem tontura, equilíbrio fraco.
ProprioceptivoTônus muscular baixo, desajeitamento, necessidade de apoio físico constante.

Hipersensibilidade – Resposta sensorial exagerada

SentidoSintomas principais
AuditivoIncomodam-se com sons altos, cobrem os ouvidos.
VisualAversão à luz intensa, evitam contato visual.
OlfativoRejeição a cheiros, evitam odores.
GustativoRejeição a sabores, seletividade alimentar.
TátilIncômodo com roupas, toque e higiene pessoal.
VestibularMedo de movimento, evitam balanços e alturas.
ProprioceptivoPosturas incomuns, força desregulada, agitação constante.

Observação: Esses comportamentos não são manias ou birras, e sim sinais claros de transtornos do processamento sensorial, que afetam cerca de 90% das crianças com TEA (Leekam et al., 2007).

    Durante uma viagem recente de ônibus da Argentina à Bolívia, meu filho teve episódios de gritos e risadas sem motivo claro. As pessoas olharam, claro, mas, felizmente, algumas entenderam a situação. Houve até quem se identificasse com o problema por ter familiares em condições similares.

    Diferença entre hipersensibilidade e hipossensibilidade

    No TPS, a criança pode apresentar hipersensibilidade (reação exagerada) ou hipossensibilidade (resposta reduzida) a estímulos. Por exemplo, uma criança hipersensível pode chorar ao cortar o cabelo ou se irritar com o toque de determinadas roupas. Já uma criança hipossensível pode buscar estímulos intensos, como apertões ou abraços fortes.

    Com meu filho, percebo ambos os padrões. Ele pede abraços apertados com frequência, mas ao mesmo tempo se incomoda com barulhos ou com o toque de estranhos. Em casa, muitas vezes ele me abraça repentinamente ou fica tocando meu corpo como se fosse uma forma de regular suas emoções.

    A relação entre TPS e o autismo

    Estudos indicam que até 95% das crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA) apresentam algum grau de disfunção sensorial. No nosso caso, o diagnóstico de autismo leve veio depois de muitos testes, inclusive aqueles em que batiam com um pequeno martelo nas articulações dele para verificar a tolerância à dor — que, no caso dele, era surpreendentemente alta.

    Por outro lado, a falta de reconhecimento científico dos princípios da integração sensorial propostos pela Dra. Jean Ayres na década de 1970 influenciou negativamente na aplicação oficial desses estudos.

    A seguir, uma cronologia dos fatos:

    marzo 3, 1943

    Leo Kanner (1943)

    Ao descrever o autismo, Kanner relatou que alguns de seus pacientes sentiam atração ou aversão a estímulos como luzes, sons ou ambientes cheios de pessoas.

    marzo 3, 1943
    abril 5, 1972

    Jean Ayres (1972)

    Realizou diversos estudos sobre os problemas sensoriais em crianças autistas, culminando na publicação do livro Sensory Integration and Learning Disorders, onde estabeleceu as bases da teoria da integração sensorial.

    abril 5, 1972
    agosto 1, 2012

    Costa & Lampreia (2012)

    Seus estudos indicam que entre 46% e 96% das crianças com TEA apresentam distúrbios sensoriais.

    agosto 1, 2012
    octubre 20, 2013

    DSM-5 (2013)

    A American Psychiatric Association (APA) passou a incluir os problemas de integração sensorial como critério para o diagnóstico do autismo.

    octubre 20, 2013
    mayo 24, 2021

    NCAEP (2021)

    Os trabalhos sobre integração sensorial de Jean Ayres foram reconhecidos como prática baseada em evidência científica por uma organização internacional: o National Clearinghouse for Autism Evidence and Practice (NCAEP).

    mayo 24, 2021

    Esse reconhecimento marcou uma virada histórica: finalmente, os sintomas sensoriais deixaram de ser ignorados e passaram a ser parte essencial do diagnóstico.

    Impactos do TPS no cotidiano e no convívio social

    Conviver com o TPS é viver com a imprevisibilidade. Certa vez, ao entrar num restaurante, meu filho começou a rir e a falar muito alto. O local estava lotado e, para evitar olhares ou desconfortos, preferi não entrar. Levei ele para jantar em outro restaurante quase vazio, onde pudéssemos comer tranquilos sem atrapalhar ninguém.

    Também já aconteceu de outras pessoas mudarem de assento no ônibus por causa dos sons que ele fazia. Tudo isso pesa emocionalmente — não apenas para a criança, mas para nós, os pais, que muitas vezes sentimos medo ou vergonha de sair em público.

    Como o ambiente pode intensificar ou aliviar os sintomas

    Ambientes barulhentos, com muita iluminação ou cheios de estímulos, podem agravar as reações sensoriais. Já ambientes calmos, previsíveis e com elementos de regulação sensorial — como brinquedos táteis, música suave ou espaços de fuga — tendem a ajudar.

    No nosso caso, o simples fato de ter um spinner ou lápis na mão faz toda a diferença para ele. É como se fosse um escudo emocional que o ajuda a lidar melhor com o mundo.

    Diagnóstico: como identificar corretamente o TPS

    O diagnóstico do TPS deve ser feito por profissionais especializados, geralmente terapeutas ocupacionais com formação em integração sensorial. Pediatras e neurologistas podem levantar suspeitas, mas não costumam ter as ferramentas adequadas para diagnosticar com precisão.

    No nosso caso, foi uma longa jornada até obter um diagnóstico claro. Passamos por diferentes países, médicos e avaliações, até compreender que o que parecia “birra” ou “estranheza” era, na verdade, um transtorno sensorial.

    Tratamentos e terapias recomendadas

    As principais abordagens incluem:

    • Terapia de Integração Sensorial (Ayres)
    • Terapia Ocupacional
    • Atividades vestibulares e proprioceptivas
    • Fisioterapia e psicomotricidade
    • Adaptações ambientais e escolares

    Há alguns anos, vi melhora significativa após inserir rotinas com brinquedos sensoriais e frequentar ambientes que ele considerava “seguros” — como a rodoviária de Pelotas, onde os ônibus substituíam os ruídos ameaçadores por estímulos fascinantes.

    Estratégias práticas para lidar com o TPS no dia a dia

    A partir da minha experiência, algumas estratégias podem fazer uma grande diferença. A seguir, apresento algumas delas:

    Transtorno do processamento sensorial (TPS), juguetes

    Brinquedos de estimulação sensorial

    A bola sensorial ajuda a desenvolver a coordenação motora e a regulação sensorial em crianças com TEA

    Ambientes controlados

    Opto por locais tranquilos, com poucos estímulos, especialmente quando sei que ele está mais irritado ou cansado.

    Transtorno do processamento sensorial (TPS), Ambiente com menos estimulos
    Transtorno do processamento sensorial (TPS), terapias diferentes

    Terapias alternativas e ocupacionais

    Embora ainda não tenhamos conseguido retomar as sessões, as estratégias recomendadas por terapeutas têm sido fundamentais.

    Comunicação aberta

    Explicar às pessoas o que está acontecendo. Tenho me surpreendido com o quanto a sociedade atualmente pode ser compreensiva.

    Transtorno do processamento sensorial (TPS), mãe explicando

    A cada saída de casa, carrego comigo não só os brinquedos, mas uma dose grande de paciência e empatia — comigo mesmo, com meu filho e com os outros ao nosso redor.

    A importância da empatia e da compreensão social

    Durante essa jornada, percebi que muitas pessoas estão mais preparadas do que imaginamos. Na fronteira, no restaurante ou no ônibus, recebi palavras de compreensão.

    Comentários como “eu entendo, tenho um sobrinho assim” me deram forças para continuar. E quando meu filho perguntava cansado: “Quando vamos chegar?”, tudo o que eu queria era garantir que ele se sentisse seguro.

    TPS, um desafio sensorial que merece atenção

    O transtorno do processamento sensorial é real, é desafiador, e merece ser levado a sério. Vai muito além de um “mimado” ou “estranho”. É uma forma diferente de perceber o mundo, que exige apoio, paciência, e sobretudo, empatia.

    Se você é pai, mãe, educador ou terapeuta, nunca subestime o impacto das pequenas ações. Um ambiente acolhedor, um diagnóstico correto, ou até um simples spinner na mão certa, podem mudar tudo.

    Perguntas e respostas de leitores

    Juliana Azevedo:
    “Meu filho de 6 anos tem muita dificuldade com sons altos, mas também busca abraços apertados e pula o tempo todo. Pode ser TPS?”
    ✔️Sim, Juliana. Esses comportamentos indicam uma possível disfunção sensorial com padrões mistos — hipersensibilidade auditiva e busca proprioceptiva. Recomendo procurar um terapeuta ocupacional especializado em integração sensorial para avaliação adequada.

    Roberto Lima:
    “É possível melhorar a tolerância ao som sem medicação?”
    ✔️Com certeza, Roberto. No meu caso, observei que a exposição gradual a sons em ambientes que ele considerava seguros (como a rodoviária, por exemplo) ajudou bastante. A terapia ocupacional e atividades sensoriais específicas também fazem uma grande diferença.

    Carla Mendes:
    “Meu filho tem 4 anos, odeia cortar o cabelo e chora muito. É normal?”
    ✔️É mais comum do que parece, Carla. Isso pode estar relacionado à hipersensibilidade tátil e auditiva. Técnicas como cortes em casa, com música calmante ou toque prévio de familiar, podem ajudar. Mas o ideal é consultar um profissional especializado em TPS.

    Alexandre Moura:
    “Tenho vergonha de sair com meu filho por causa dos comportamentos dele em público. É horrível sentir isso…”
    ✔️Alexandre, entendo você perfeitamente. Já passei por isso muitas vezes. O mais importante é lembrar que o comportamento dele é apenas uma forma diferente de reagir ao mundo. A sociedade está mudando, e a empatia cresce a cada dia. Não desista de mostrar quem seu filho realmente é.

    Letícia Souza:
    “Existe alguma escola que entenda melhor essas questões sensoriais?”
    ✔️Sim, Letícia. Algumas escolas já possuem profissionais que conhecem bem o TPS e o TEA, e aplicam práticas de inclusão real. Vale a pena visitar pessoalmente, conversar com a coordenação e verificar se há suporte de terapeutas ou educadores especializados.

    Referências Bibliográficas

    1. Ayres AJ. Sensory integration and learning disorders. Los Angeles: Western Psychological Services; 1972.
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    4. Bundy AC, Lane SJ, Murray EA. Sensory integration: theory and practice. 2nd ed. Philadelphia: F.A. Davis Company; 2002.
    5. Atwood T. Guía del síndrome de Asperger: una guía para padres y profesionales. Barcelona: Paidós; 1998.
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    8. Leekam SR, et al. Describing the sensory abnormalities of children and adults with autism. J Autism Dev Disord. 2007;37(5):894–910.
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    12. Parham LD, Mailloux Z. Sensory integration. In: Case-Smith J. Occupational Therapy for Children. 5th ed. St. Louis: Mosby; 2001. p. 329–81.
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