Autistas morrem mais cedo — não por causa do autismo em si, mas porque o mundo ainda não aprendeu a entender suas dores, seus sinais e seus silêncios.
A expectativa de vida em pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma preocupação crescente para famílias e profissionais. Ao contrário da percepção comum, o autismo não é apenas uma condição do neurodesenvolvimento; frequentemente, ele vem acompanhado de múltiplos desafios de saúde que podem encurtar significativamente a vida.
Estudos recentes, como uma influente pesquisa publicada no The British Journal of Psychiatry, lançam luz sobre essa dura realidade e as causas por trás da mortalidade precoce no TEA.
A dura realidade das estatísticas sobre mortalidade no TEA
Um estudo pioneiro do Karolinska Institute, na Suécia, que analisou dados de mais de 27.000 pessoas com autismo, revelou uma verdade alarmante:
Mortalidade no autismo: dados que preocupam
Segundo aquele estudo, adultos com diagnóstico de autismo morrem, em média, 16 anos antes do restante da população geral. E o cenário se torna ainda mais preocupante quando há deficiência intelectual envolvida: a expectativa de vida cai mais de 30 anos, chegando a uma média de apenas 39 anos de idade. Já aqueles com autismo sem deficiência intelectual também enfrentam risco elevado, vivendo, em média, 12 anos a menos que os demais — tudo isso mostra como o autismo, junto com outras condições, pode afetar drasticamente o tempo de vida. Esses números não são só estatística — são um alerta pra que a sociedade olhe com mais atenção, respeito e cuidado pra essas vidas que muitas vezes são ignoradas.
No total, o estudo constatou que 2,60% dos indivíduos com TEA faleceram durante o período observado, em comparação com 0,91% da população em geral, o que indica uma probabilidade de mortalidade no TEA 2,56 vezes maior. A idade média de falecimento para todo o grupo com TEA foi de 53,87 anos, em comparação com os 70,20 anos dos controles.
As principais causas de mortalidade no TEA: Além do óbvio
O gráfico abaixo é eloquente: mostra as taxas de mortalidade na população saudável em comparação com as pessoas dentro do espectro autista, segundo o estudo.

O estudo indica três principais causas de morte, que estão detalhadas abaixo.
- Epilepsia: É uma das causas mais devastadoras, especialmente em pessoas com TEA de baixo funcionamento intelectual. Estima-se que entre 20% e 40% das pessoas com autismo a desenvolvam, em contraste com 1% da população em geral.
- Como experimentei com meu próprio filho, Keithon, que aos 19 anos convive com epilepsia, a gestão dessas crises é uma preocupação constante que exige atenção médica e familiar ininterrupta. Seu recente episódio na Bolívia, felizmente controlado com medicação, ressalta a gravidade e o risco que essa comorbidade representa para a mortalidade no TEA.
- Suicídio: Para as pessoas com autismo de alto funcionamento intelectual, o risco de suicídio é alarmantemente alto, chegando a ser 9 vezes maior do que na população em geral. Isso evidencia a imensa carga psicológica e os desafios de saúde mental que enfrentam.
- Uma Multidão de Condições Médicas Comórbidas: O estudo enfatiza que a mortalidade precoce no TEA se deve a uma ampla gama de problemas de saúde, não apenas à epilepsia ou ao suicídio. As probabilidades de falecimento aumentam de 1,5 a 8 vezes para diversas doenças, com as malformações congênitas (OR = 19.10) e as doenças do sistema nervoso (OR = 7.49) mostrando os maiores riscos. Isso sugere uma vulnerabilidade biológica geralmente aumentada nas pessoas com TEA.
- Esta pesquisa ressoa profundamente em minha experiência como pai. Além do autismo e da epilepsia, meu filho Keithon enfrenta suspeitas de Síndrome de Marfan, problemas relacionados ao coração e desafios sensoriais significativos (como pular, rir ou falar alto sem razão aparente, e a manipulação constante de objetos pequenos como um spinner ou um lápis, [uma estereotipia]). Esses múltiplos fatores de saúde impactam seu bem-estar diário e a qualidade de vida de nossa família.
O desafio silencioso: A dificuldade de expressar a dor
Um dos aspectos mais críticos, e frequentemente subestimado, que contribui para a mortalidade no TEA é a barreira da comunicação. Pessoas com TEA podem ter dificuldades significativas para expressar seus sintomas, seu desconforto ou sua dor, o que leva a diagnósticos tardios ou errôneos.
- A experiência com Keithon é um exemplo claro. Em quatro ocasiões o levamos às pressas ao hospital pelo que ele apontava como “dor no coração”. Somente na quarta visita, um médico perspicaz, pensando “fora da caixa”, percebeu que, embora Keithon dissesse “coração”, suas mãos apontavam para a boca do estômago. O diagnóstico final: gastrite. Esse “milagre” de um médico que soube interpretar além das palavras destaca a necessidade urgente de que o pessoal médico seja treinado para reconhecer e interpretar os sinais não verbais e as formas atípicas de comunicação em pessoas com autismo. Sem essa capacidade, condições tratáveis podem se tornar críticas e aumentar o risco de mortalidade precoce no TEA.
O papel do ambiente e da qualidade de vida
Além das condições médicas, o ambiente e a qualidade de vida também desempenham um papel fundamental no bem-estar das pessoas com autismo.
- A experiência de Keithon ilustra isso. Após meses de confinamento e estresse na Argentina, onde seu comportamento se tornou violento em relação à sua mãe (ele tem 19 anos e mede 2 metros), eu o trouxe para a Bolívia. Aqui, a mudança foi notável. A possibilidade de passar tempo ao ar livre e realizar longas caminhadas transformou seu humor e seu comportamento. Essa melhoria dramática, em contraste com a falta de paciência de sua mãe para essas atividades na Argentina, demonstra como um ambiente adaptado e a atividade física constante podem mitigar o estresse e melhorar significativamente a qualidade de vida e, consequentemente, impactar a mortalidade no TEA.
Chamados à ação e reflexões finais sobre a mortalidade no TEA
Os achados deste estudo e as experiências pessoais como a nossa com Keithon não são apenas estatísticas; são um chamado urgente à atenção. A ONG britânica AUTISTICA respondeu com o compromisso de arrecadar 10 milhões de libras para pesquisar a mortalidade no autismo, e a National Autistic Society do Reino Unido instou os governos a tomarem medidas sérias.
Minha experiência com Keithon me leva a uma conclusão crucial: às vezes, o diagnóstico de autismo fica em segundo plano, e são as comorbidades não diagnosticadas ou mal gerenciadas que desencadeiam o desfecho fatal. Não é apenas o autismo em si, mas a combinação de múltiplos fatores de saúde, a vulnerabilidade biológica aumentada e, criticamente, a barreira da comunicação que elevam os riscos de mortalidade precoce no TEA.
É imperativo que:
- Profissionais de saúde em todas as especialidades recebam treinamento adequado em TEA para poderem diagnosticar e tratar eficazmente as condições comórbidas.
- Famílias recebam o apoio necessário para defender a saúde de seus entes queridos e aprender a interpretar seus sinais de mal-estar.
- Se desenvolvam estratégias inovadoras para melhorar a comunicação de sintomas em pessoas não-verbais ou com dificuldades de fala.
- Se reconheça a importância do ambiente e da atividade física para o bem-estar geral.
Referência
Hirvikoski, T., Mittendorfer-Rutz, E., Boman, M., Larsson, H., Lichtenstein, P., & Bölte, S. (2016). Premature mortality in autism spectrum disorder. The British Journal of Psychiatry, 208(3), 297-303. Disponível em: https://www.cambridge.org/core/journals/the-british-journal-of-psychiatry/article/premature-mortality-in-autism-spectrum-disorder/4C9260DB64DFC29AF945D32D1C15E8F2